sexta-feira, 30 de julho de 2010

Sol

Aurora matinal
No céu um reluzente ouro,
Pássaros cantam no matagal
Sombra faz o touro.

A luz dourada desabrocha as flores
Às vezes nuvens acinzentam o céu
E no fim um arco-íris de várias cores.

Na praia, um bronzeado
No campo, um piquenique
Um é solteiro, outro é casado
Olha que chique!

Descansa-se o músculo
Fecha-se os olhos;
É o fim: é o crepúsculo.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Alfabeto H8CO

Foi incrível. Rabiscou, com uma faca, três linhas na parede da sala. Ficou muito feliz. Pulou, gritou e depois correu pra falar pro avô. Desenhei um A! desenhei um A! olha, é só fazer isto. E cruzava, no chão mesmo, um H. O avô, um pouco de pressa, disse que estava perfeito. Os olhos do menino brilharam. Agora tinha que aprender o B. Perguntou pra mãe como fazia. Era só desenhar uma bola sobre a outra. Assim? É, quase isto. Mas o A eu já sei; olha. H. Isto não é A, é H. H? Sim, o A é desta maneira. Ah... E o B? o que tem de errado? 8. Parece um oito. Um número? sei fazer um número!
E ficou nisso. H8. Feliz da vida. Pegou um caderno de desenho e passou o resto do dia fazendo seu trunfo surgir no papel. Depois cansou. Queria aprender o C. Este foi fácil. Era só fazer uma bolinha e apagar metade. Pronto. Agora era H8C. Depois veio o D, que não saía de um O torto. Estressou e ficou com o O mesmo. H8CO. Que coisa. Então foi dormir. Sonhou com batatas e morangos; acordou na hora do almoço. Cheiro bom. Escovou os dentes e cuspiu no espelho. Pegou a toalha e limpou o rosto. Sorriu amarelo. Correu pra sala e olhou as três linhas. Riu. Tinha que aprender o E.

terça-feira, 27 de julho de 2010


Fim de tarde,
O tempo está quente,
Do nada um alarde,
Na terra uma semente.

O vento é do norte
trazendo cristal líquido
Correndo atrás da sorte
Um homem de tempo vivido.

Abre-se um guarda-chuva
Começa-se a melodia
Da semente, uma uva
Do céu, uma alegria.

Aquele Destino

Nunca fui ao cinema
Nunca vi o mar
Nunca me esqueci de um sonho
Nunca desisti de amar

Sempre quis crescer
Sempre fui deixado
Sempre sendo rejeitado
Sempre reviver

Talvez eu apenas queira me apaixonar
Talvez o que procuro não esteja longe
Talvez eu apenas possa sonhar.

sábado, 24 de julho de 2010

Daíse



O vento lhe toca a face rosada...
Seus cabelos negros esvoaçam pelo infinito
Seus olhos penetrantes aquecem minha alma
E seu sorriso é que nos deixa em conflito.

Oh! grandiosa e bela mulher
Arrebata meu coração deste mundo
E me diga o que não se quer
Mas não me deixa neste sofrimento profundo.

Será que você é de verdade?
Teu semblante é divinamente encantador
Isto parece um sonho, não uma realidade
Pois ninguém é tão cheio de amor.

De fato está cima de qualquer mortal
É uma deusa que vive a nos enfeitiçar
Diz algumas palavras e possui um olhar fatal
É uma excelente amiga que veio para nos alegrar.

Gabriela


Cabelos dourados,
Olhos cor de gotas de orvalho
Semblante de um anjo...
Gabriela.
Divina beleza...
Mais que linda, mais que bela
mais...
Não sei dizer...
Na profundidade de seu olhar
Vejo que há uma rainha pronta pra se libertar.
Em cada palavra, em cada movimento,
Em cada suspiro...
Nada é deixado pra depois...
Nada é dito em vão...
Gloriosa menina, esplêndida mulher.
A cada minuto, um sorriso.
A cada hora, uma ternura.
A cada dia, uma paixão.
O calor do sol, a luz das estrelas
e o som das onda do mar,
Todos estão em seu coração disposto a amar.

Mariana


Mariana, sereia que veio do mar
Uma mistura de Maria com Ana,
Beija-flor que voa no ar.
Olhos sinceros, justos, indecifráveis
Mas que também conseguem
Libertar almas irrecuperáveis.
De seus lábios são pronunciados belos poemas
Seu sorriso é como o luar
que ilumina cada passo que a humanidade dá.
O bem querer viajar
Tendo alguém que lhe quer amar.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Despertar





Na aurora desraigada da vida
entre contrabandos de sentimentos
não por hora obstante
mas bem fazeja
se não toca o semblante daquele anjo imaculado
e por anos à fio se esquece de que é
ironia dos pecadores imortais...
Dedicamos momentos esquecidos para pessoas amadas... amar eternamente
e no reluzir do fim da tarde...
Nunca se esquece o ano em que se perdeu tudo... ou pelo menos a nobreza da alma...
amar...

Estilo de Adão


Sementes plantadas no inverno rigoroso. Crescem num não nada. Coisas de gênero esquizofrênico. Bobeiras nocivas por ninharia. Mas na primavera serão lindas flores pálidas de uma solidão aquecida por um sol devasso e desprezivelmente a favor da luz. Os seres noturnos acham.
Não é compreensível que estas sementes não morram antes que o acaso matinal as afague no meio de espinhosos espinhos. Por via das vezes, se achava que não iriam durar três dias após serem plantadas. Quem dera. Persistiram durante muito tempo. Algumas disseram não e morreram antes de serem surpreendidas com o piscar de seus olhos. Secaram e se tornaram pó.
O próprio pó não agüentou ser pisoteado pelos seres que se achavam superiores e acabou se vingando. Sufocou uma vaca até ela não poder mais ruminar e virar carne de panela. Foi triste. A vaca, pastando na sua mansa mastigada lenta e, quando nada, seus olhos lacrimejaram de tanta poeira; fungou um lindo ardor que a fez engasgar e não pode mais ficar em pé. Estrebuchou, deixou a baba cheia de grama escorrer pela boca entreaberta. Depois ruminou mais um pouquinho. Vingança do pó.
A carne da vaca foi aproveitada, pra variar. O sangue virou ração de cachorro e foi vendida por um bom preço. Os cachorros não gostaram da ração. Dinheiro jogado fora. Provérbio popular.
As sementes, que depois viraram plantas, receberam, de bom grado, o esterco da vaca.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Chocolate


Chocolate...
Sabor indiscutível.
Amargo, ao leite, branco.
Coisa de outro mundo
Coisa de santo.
A também o crocante,
em pó, ou granulado.
Mas todos são como
Um sábado santificado.
Cremoso ou meio-amargo
Quente ou gelado.
Tanto faz,
Chocolate é bom demais.

Alheio e à parte

No resplandecer de uma lâmina afiada
entre folhas de inverno ao cair,
Meu semblante logo emudeceu,
e por minha face lágrimas escorreu.

Quando se deseja algo,
Como se único e perfeito fosse
E que nos sacrificamos por tal desejo
mesmo que ele não se realize
Sabemos, então, o que é querer.

Somos pessoas de sonhos,
Vivemos por amar.
Amamos por que queremos
e sem motivo pra explicar.

Rosa


Adormecida há muito tempo
Os raios do sol aparecem
A terra acorda, estremece
Lhe dá um beijo o vento

Vai despertando devagarzinho
Como se o mundo esperasse
Um bebê mimado, pequenininho

Espinho pontiagudo, pétala delicada
Um contraste de beleza
Uma grandiosa revoada

Vermelho vivo, uma forte cor
Um perfume raro encontrado
Um casal apaixonado
A alegria do beija-flor.



Dedicado à:

Carla, uma bela menina

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Exagero

Por extinto, ela olhou para trás. Medo. Algo estava perto por demais. Lhe trazia uma certa angústia que apertava sua garganta, de modo que sentia uma pequena falta de ar. Passou a língua nos lábios para umedecê-los. Suspirou devagar; o peito se inflando e desinflando num compasso rítmico. A mochila estava pesada, o que a fazia cansar muito. Desceu alguns passos para o norte, direção oposta ao desejado, e pulou uma pequena poça d’água. Os pesinhos miúdos e frágeis já estavam com bolhas há algumas horas. Se não perdesse o ônibus, já estaria tomando um banho em casa. Mas por burrice pura, deixara de se lembrar do veículo. Se fosse outro horário poderia esperar um próximo ônibus, mas no domingo aquele era o último. Fim de papo.
O celular tocou umas três vezes para poder ser atendido. A preocupação de sua mãe era até desnorteante. Por que não pega um táxi? O dinheiro não é suficiente. Onde você está? Estou perto do parque. Meu Deus, você ainda está longe! não demore! Tu, tu, tu... Guardou o celular na mochila e correu um pouco. Arquejou quando foi atravessar o parque. Tudo escuro, breu incômodo. Animais feitos por sombras de objetos. Vultos difusos. Suava a mão. Segurou firme nas duas alças. Um passo de cada vez. Fechava os olhos por uns momentos. Jeito mesmo era voltar a correr. Não correu. As pernas, meio que rígidas, pesavam um pouco para sua fraqueza.
Algo se aproximou tão rápido que não teve tempo de fazer nada. Gritou, pulou e sumiu numa velocidade até que impressionante. O que se aproximou dela saiu para a luz de um poste de madeira. O cachorro levantou a perna e fez xixi.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Acaso

É notório o desvendar da alma
O bater lento do coração nos acalma
Singularidades únicas em quem sorri
E tudo nos fascina, não longe, aqui

A porta rangendo no velho vai-vem
Procura-se um sentimento que todos têm
Está escondido por trás das paredes rachadas
Que ao simples toque do vento estarão desabadas

Ternura nas palavras sem sentido
Expressadas por um homem esquecido
Que sempre se sentava no corrimão da escada
Daquela pensão há muito tempo abandonada

Ele olhava para os confins da rua
Meditava uma velha filosofia crua
Alguns transeuntes pensavam o que estaria acontecendo
E ficavam parados no sol com os miolos fervendo

Num dia de chuva pegou uma pneumonia
E na enxurrada adeus à fantasia
Que para muitos não passava de idiotices
E os homens continuavam com suas mesmices.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Um ótimo dia


O resplandecer da aurora no horizonte...
O mundo dizendo: “abra a janela”
A janela respondendo: “bom dia mundo”.
O semblante alegre
Iluminado pelos raios de sol...
Os pássaros cantando: “o dia é belo”.
O sabor do chocolate
A reflexão na leitura
E o pôr-do-sol reluzente.
Tudo é paz...
Tudo é destino...

Ilusão


Não correspondido...
Pelo menos foi no início...
Já estou acostumado...
É triste quando enxergamos a verdade
Calado, sem ânimo para viver.
Minha alma não se deleita e descansa...
Apenas contempla algo que não existiu,
Sonha, imagina o que não é real...
E adormece nas lembranças da vida...

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Barulho

Sons confusos e alucinantes
Contornos brancos, vermelhos, sufocantes.
A garganta arde e berra
É um triunfo momentâneo de guerra.

Uiva-se horrivelmente na dor
Opacidade nunca vista, incolor.
Borracha à toa esticada
Atraca-se e é completamente arrebentada.

Pena de um pneu estourado
O carro capota, destroçado.
De dentro sai uma mulher ensaguentada
Este é o seu fim, coitada.

Mas acaba com o estrondo de um trovão
E o que se diz na pronúncia não?
Nada do que se faz no silêncio tardio
O frio, vento vazio.

sábado, 10 de julho de 2010

Mochila


O zíper foi aberto rapidamente. Jogou-se uns livros lá dentro e fechou novamente. Um sacolejo e é colocada no ombro. A alça direita está mais curta que a esquerda. Ajeitou um pouco, mas a pressa não o deixava parar. Colocou a culpa no despertador, que não fez seu trabalho direito. Estava atrasado quase quinze minutos e não tinha tomado o café da manhã. A fome subia pela garganta e depois roncava alto no estômago. Comeria algo na cantina apenas mais tarde. Que droga de prova na segunda-feira! Chutou uma pedra enquanto esperava um carro cruzar a rua. Olhou para os lados e correu. Pulou o muro da barbearia e desceu pelo campinho. Havia algumas pipas no ar. Não parou, mas tropeçou e caiu; também, pudera, observando o céu enquanto corre. Alguns meninos riram. Xingou um pouco, só pra não levar desaforo e jogou algumas pedras pro ar. Limpou-se da poeira e voltou-se para o caminho.
O portão já estava fechado. Pediu para abrir. Uma mulher foi lá e perguntou se ele não sabia qual era o horário de aula. Nisso uma das alças, a mais curta, se arrebenta. O zíper estoura e lá se vai os livros pelo chão. A mulher o ajuda e o deixa entrar. Ele sorri e não agradece. Esse é o trabalho dela mesmo! A prova ainda não começou. Bom para ele. É melhor do que nada. No fim, decide comprar uma mochila nova.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Desabafo com o mar

Ó mar...
Porque tu és tão salgado?
Será pelas lágrimas de
paixões perdidas ou não correspondidas?
Talvez sejas porque morrera muitos
em teu leito...
Desculpa-me por mais lágrimas que
caem em ti...
Minhas lágrimas...
Amo demais, em excesso...
Tenho vontade de lhe dizer segredos
que jamais revelei há ninguém
Coisas do coração...
Tu, que contemplas teu reflexo nos céus,
só tu me entendes
Pois sabes muito bem que és belo!
Saibas, que quem eu amo, é mais belo
que ti.
Minha sinceridade te magoa?
Perdoa-me
Fico cego quando estou iludido pelo amor,
Não possuo raciocínio,
Vivo apenas por quem amo...

Amizades


É confuso quando me lembro de velhos amigos. Olho pela janela e vejo um mundo novo, cheio de elegância misturada na lubricidade de novos ares. O silêncio que perfaz no meu coração, me deixa sem ânimo para nada. Tento sorrir, mas é tudo uma farsa. Às vezes procuro, em vão, pequenas lembranças que me deixe um pouco feliz. Mas em vez disso, sinto saudades e fico triste.
Engraçado como o valor de uma amizade deixa-me sem rumo certo. Provavelmente sempre sentirei falta daquilo que já não tenho, mas tento contornar com preciosidades. Preciosidades que se tornaram algo com valor incalculável.
Por fim, agradeço por tudo o que tenho e que já tive. Assim é viver. Aprende-se com um analfabeto e enriquece-se com um mendigo. Fechar os olhos e pular da ponte em direção as pedras... alguém te salva. Nunca se esquece.
Toca-se uma guitarra ou joga umas cartas ao vento. Por via das dúvidas, é melhor rir, meus amigos.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Minha defesa à Sócrates

No querer em acusar Sócrates, refutem antes o porquê ele deve morrer, já que não conseguem responder simples questões que este homem lhes fez. Deveras, a incógnita que esqueceram os deixam cegos. Em bem dizer, não enxergam a própria ponta de seus narizes. E ficam assim, parados no tempo, vendo que gotas que caem do céu é só um simples favor dos deuses. Pisquem. O ócio dos orgulhosos não permite que sejam críticos e por fim tombam suas faces pela terra poeirenta de anos esquecidos.
Mas o ceticismo que se instalou em vocês, os faz crer que não se pode modificar algo tradicional, ou mesmo clássico nas suas concepções. Se escondem dentro de seus cascos e regozijam até que tudo se torne mar. Mas se ficam de barriga para cima até o fim da tarde, põe a culpa em algum ser que passou e não os ajudou a se virarem. O simples fato de não conseguir responder uma pergunta os ridiculariza, vendo que são, por assim dizer, simples humanos. Erram, sentem medo, erram de novo.
E no desferir o golpe de misericórdia, percebe-se que estão acovardados. Dizem que Sócrates desencaminha trilhas, mas como? se o detentor do que é certo e errado são suas consciências. Se um homem não tem direito de se expressar, por que outros, que também são homens, devem ter o direito de julgar?

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A Mulher

Esculpida por um anjo,
Projetada por um arcanjo,
Desenhada por um deus.
Digna de cortes reais
e atributos de imperadores.
Dentre as estrelas do mundo
não há igual em resplendor.
Será que pensas em mim?
Pois por ti está meu pensamento.
Meu coração palpita
e me diz que não vivo sem, ao menos,
te olhar...
Quero te beijar
ou, pelo menos, respirar o ar que
você respira e te dizer que,
mesmo do fim do mundo,
Te amo...

terça-feira, 6 de julho de 2010

Cinco Centavos


O sol reluzindo na manhãzinha de sábado. A mulher já está acordada há uns dez minutos. Aquela fome, uma falta de energia, faz com que vá a padaria e compre um pão, que custa trinta e cinco centavos, e receba de troco, uma moeda de dez e outra de cinco centavos...
Vai para o serviço, que fica do outro lado da cidade. Espera o ônibus há algum tempo. Os olhos estão vagos, distantes de si mesmo, deveras tristeza. Suspira e olha para o céu; talvez chova mais tarde. Entra no veículo e entrega ao cobrador o preço da viagem, e lá se vai os cinco centavos...
O cobrador já está quase aposentando. A artrite o incomoda em excesso. O dia mal começou, mas o cansaço já lhe abateu sobre os ombros. Ele não agüenta mais. Acostumou-se com as pessoas que deixam transparecer, em seus rostos, a miséria da vida, a angústia do passado, a rebeldia das moléstias. Entrega o troco a um rapaz de uns vinte anos e entre muitos, uma nova mão é fechada nos cinco centavos...
O rapaz desce do ônibus numa viela da periferia. A cabeça está transtornada. Necessita de algum alucinante tempero branco, em que se encontra o poder de ser consumido. Rouba uma bolsa apenas pelo dinheiro que contem, mas ele precisa de mais. Vende uma bicicleta, um celular, uma camisa. O que consegue arrecadar é rapidamente trocado pelo prazeroso veneno que irá para suas artérias e destruirá o que sobrou de seu cérebro. Um novo ser humano está com os cinco centavos...
É um traficante que menospreza esta moeda, e logo a perde num terreno baldio. Depois do almoço, a molecada joga bola. Um desses moleques vê o brilho do metal no chão. Ele o guarda para poder gastar mais tarde, mas o esquece no bolso. Na sexta-feira, no fundo do balde, onde se deixa um tecido dentro de uma água sanitária, a mãe encontra os cinco centavos...
Ela o guarda no cofrinho de porcelana. Dois meses se passam e o recipiente se enche. A destruição em pedaços e as moedas pela mesa. Soma-se tudo, que dá exatamente setenta e sete reais e cinco centavos...
Bem, como era de se esperar, a mãe deixa os cinco centavos para trás, em cima do tapete da sala. O bebê está brincando lá. Contempla aquela estranha coisa e acaba achando que é um doce. Põe o objeto na boca e depois engole. Engasga-se. Começa a sentir falta de ar; nota-se que a face está ficando roxa, os olhos estão se esbugalhando. Não consegue chorar e morre, ali mesmo, no tapete da sala. A mãe ainda, desesperada, o leva para o hospital. A extração é feita, mas o anjo das horas sombrias e mortais fez o seu serviço antes do tempo querer ajudar. O médico, quieto, escutando os gritos de angústia da mãe, deixa os olhos pousarem sobre os cinco centavos...
Mas, pelo menos, tudo termina bem. Chega o tempo em que é hora de recolher o dinheiro e trocar por um novo. A velha moeda de cinco centavos é derretida nos caldeirões do inferno e acaba se tornando uma cruz cristã, através da qual uma mulher faz suas preces, acredita em sua fé, e pede para que não falte o pão de cada dia, principalmente no sábado.

domingo, 4 de julho de 2010

Um dia com a Arte

Nascer do sol, uma bela paisagem. Liga-se o rádio e ondas sonoras fluem pela casa. Lê um livro de Machado de Assis ou uma peça de Shakespeare. Inspiração: cria-se um teatro (ou tenta). A magia na culinária preparando o almoço. Contempla-se um filme e adormece. Desperta-se quando o filme acaba e a refeição está pronta. (Irônico ou ridículo? Os dois.) Pronuncia-se corretamente o português, diz alguma coisa em inglês e deixa palavras soltas de italiano. Dante Alighieri: A Divina Comédia – inferno, purgatório e paraíso – o autor eleva sua amada aos céus: a belíssima Beatriz. Aprecia-se o jardim e uma casa da época da escravidão. Joga-se um futebol ou vôlei e termina o dia vendo o crepúsculo. A noite, com as estrelas, se escreve poesia ou um pequeno romance. Reflete Aristóteles, Descartes, Nietzsche. Um programa na televisão chama os olhos e os ouvidos. Jantar à mesa. Portinari: talvez Os Retirantes ou Dom Quixote Com Idéias Delirantes. Villa Lobos? Talvez, mas é melhor Betoven. Diálogos noturnos e adormece no recanto escondido dos sonhos.

sábado, 3 de julho de 2010

Carol


Nascer do sol. A brisa esvoaçando o cabelo. Contempla o céu, azul, belo por natureza. Carol sorri. Um sorriso de felicidade. Olha para trás e vê que suas amigas lhe chamam. Caminha até elas rapidamente. Cumprimentos verdadeiros; não há mentiras em seus olhos. Decidem ir ao campo, ver as flores silvestres. O tempo passa rapidamente. É hora de ir.
As estrelas reluzem e as meninas apreciam cada momento com se fosse único. Pequenas frases soltas. Algo notável de se ver. Símbolos de amizade que durará para sempre. A lua surgi. Carol sorri.

Xadrez


Quadrado. A muralha de pedras negras acabou de ser erguida. Acho que Majestade não está bem seguro. Um minuto se faz desde que se anunciou o ataque. Está frio. As tropas inimigas começaram a avançar. Escondemos alguns homens na trincheira ao leste do castelo. O céu escureceu: flechas. Muitos estão sentindo o gosto de terra e sangue; outros, nem isso. Conseguimos abrir um buraco naquela muralha negra dos infernos. Agora é invadir pela direita e matar o monarca adormecido. Emboscada! Um feiticeiro está encantando os soldados rasos e levando-os para as trevas da mutilação. Tremor. A cabeça do mago está rolando. O general negro está de frente a mim. Acho que é minha hora, não de morrer, mas de agir. Volto para junto de Majestade com o general em meu encalço. Consigo aprisioná-lo. A vitória está em nossas mãos. Invado, com todas as minhas forças, o território inimigo. Esmago a cabeça de algum soldado e arrebento a porta do quarto do monarca. “Um soldado, se arrastando pela terra... O general negro libertado... Um grito de guerra... Majestade assassinado...” Meu Deus! Como tudo se inverte tão depressa! A vitória nos abandonou, acabamos sendo derrotados. Nosso reino é apenas mais um riscado do mapa. Preto. Branco. Xeque-mate.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

A vingança da colcha de retalhos

Cenário- (Uma cama ao fundo; cadeiras ao redor)
(Presentes na cena: José Alvorada, Sinh’Ana e Avó)
Sinh’Ana: (em pé) Acho que vai chover... O tempo está esfriando... É melhor ir recolher as roupas.
José Alvorada: (sentado) Mas antes vê se faz um café.
Sinh’Ana: Você não tem mão? Vai lá e faz!
José Alvorada: Não, então não precisa!
Sinh’Ana: Mas é um folgado mesmo. (Voltando-se para Avó). Mãe, a senhora vai querer alguma coisa?
Avó: (Deitada na cama) Não, minha filha; só quero um pouco d’água.
Sinh’Ana: Já estou indo pegar para a senhora (sai).
José Alvorada: Mas aqueles meus filhos são um bando de irresponsáveis mesmo. Era para eles estarem aqui na hora do almoço. E vejam só (olha para o relógio) são quase três horas da tarde.
Avó: Acalme-se, logo eles chegam.
José Alvorada: (levanta-se) Chegam, chegam coisa nenhuma. Devem ter esquecido de que a senhora os havia chamado. Mas por que a senhora os chamou mesmo?
Avó: Quando eles chegarem, eu conto. (entra Sinh’Ana)
Sinh’Ana: Aqui está a água, mãe.
Avó: Obrigada, minha filha (bebe um pouco de água).
Sinh’Ana: Se a senhora não precisar de mais nada, eu vou lá recolher as roupas antes que chova, tudo bem?
Avó: Tudo bem, minha filha.
José Alvorada: E o café?
Sinh’Ana: Que o café o quê?! (sai).
José Alvorada: Eu não sei como ainda vivo com sua filha (senta-se). Ela é muito desaforada, volta e meia chora e depois cai na gargalhada. Acho que ela é bipolar.
Avó: Até hoje eu não entendo o porquê que fui deixá-la casar com você.
José Alvorada: Eu? Lógico que iria se casar comigo. Era o melhor pretendente que ela poderia arranjar. E a senhora estava de olho no dinheiro do meu pai.
Avó: (Senta-se) Aí é que você se engana. Eu e o meu velho não iríamos deixar vocês se juntarem... Mas foi só ver os olhos dela lacrimejarem que meu coração derreteu e eu não resisti e deixei-a viver a vida como ela queria.
José Alvorada: Não sei se era como ela queria... (entra Sinh’Ana).
Sinh’Ana: Os meninos chegaram!
José Alvorada: (levanta-se) Mas cadê eles?
Sinh’Ana: Estão subindo aí e no barraco de sempre.
(Entram, nesta ordem, João Nunes e Pedro Porunga, Regina Nunes e Maria Porunga, Sandra Porunga e Argentino).
(Discussões entre João Nunes e Pedro Porunga já na entrada).
João Nunes: E você vem me dizer que eu é que sou o errado?! Conta outra!
Pedro Porunga: Mas você é muito idiota! Fica dizendo coisa com coisa e pra piorar põe a culpa nas minhas vacas!
Sinh’Ana: Ei, meus filhos! O que está acontecendo?
João Nunes: É essa Porungada aí que não me dá sossego!
Pedro Porunga: Já disse que não quero que chame minha família assim!
João Nunes: Ah dó... Não gosta de ser chamado pelo nome, Pedro Porunga.
Pedro Porunga: Te avisei! (Dá um soco no rosto de João Nunes)
João Nunes: Desgraçado! Vou lhe partir a cara! (Sinh’Ana intercede, enquanto Regina Nunes segura João Nunes).
Sinh’Ana: Vamos parar com isso meninos! (João Nunes se desvencilha de Regina e vai em direção de Pedro Porunga. Sinh’Ana tenta intervir.) Acode José! Acode!
José Alvorada: (levanta-se) pode deixar comigo! (Dá um soco em João Nunes).
João Nunes: (cai) Mas que droga, pai! Por que o senhor me bateu?!
José Alvorada: É pra você aprender a ser homem! Homem não fica de conversinha! Homem faz!
Sinh’Ana: (Mãos na cintura) José Alvorada, eu disse pra acudir, não piorar!
José Alvorada: Dona Sinh’Ana... É melhor calar essa boca. Mulher não opina, mulher esquenta a barriga na cozinha! E eu vou dar umas voltas por aí!
Sinh’Ana: Vai pra onde?
José Alvorada: Não tenho que lhe dar satisfação! (sai).
( Silêncio)
Sinh’Ana: Me desculpem pelo comportamento de meu marido. É, e, é... Como é que vão todos? Regina, tudo bem? Cadê o Pernambi?
Regina Nunes: Está tudo bem, Sinh’Ana. O Pernambi deve de estar vindo por aí com a Marisol. Ele foi à casa de um amigo resolver uns assuntos e disse que logo vinha.
Sinh’Ana: Ótimo, então. E você, Maria, ainda está vendendo pamonhas? (risadas).
Maria Porunga: (Ri) Não. Valha-me Deus! Desde aquele acidente eu parei de mexer com isso. Foi um susto que nunca mais quero voltar a tê-lo. A coitada da Cidinha ainda chora pela mão queimada.
Sinh’Ana: Pena... (Ri). Mas a culpa foi dela mesmo... Não deveria ser tão intrometida... Tsc. E vejam só, Sandra, como você cresceu. E quem é esse moço bonito que está com você?
Sandra: Ah vovó, este aqui é o meu namorado. A gente o chama de Argentino.
Sinh’Ana: Argentino? Mas por quê?
Argentino: És que yo hablo um poco diferente. Compreendes?
Sinh’Ana: Um pouquinho... Que graça. E faz tempo que estão namorando?
Sandra: Uns quatro meses, né amor.
Argentino: Sí, si, creo que si.
Sinh’Ana: Espero que sejam sempre felizes... Ah, vamos, sentem. Vocês querem almoçar? (Todos se sentam)
Pedro Porunga: Não, obrigado mãe. Nós já comemos algumas coisas no caminho.
João Nunes: Nós também. Eu só queria gelo pra colocar no meu rosto.
Sinh’Ana: Ah, está bem. Eu vou buscar. Fiquem á vontade. (sai)
Maria Poruga: Mas que vergonha. A gente aqui na casa da sua mãe e você briga com seu irmão! Desculpa-me, João, me desculpa, Regina. É que esse acordou com a macaca.
Regina Nunes: Não, não tem o que se desculpar. Quem começou foi o João mesmo; deixa pra lá.
João Nunes: Eu é que comecei? Aquelas porcarias das vacas do Pedro arrebentaram a minha cerca e fui eu quem começou. Concordo... Não sabe cuidar de sítio, é isto que ocorre.
Pedro Porunga: E você sabe cuidar que é uma beleza, né? Nem monjolo você sabe fazer.
João Nunes: Você gosta de tocar neste assunto.
Pedro Porunga: Gosto, e daí?
Sandra: Papai!
Pedro Porunga: O quê que foi?
Sandra: Estamos na casa da vovó... (entra Sinh’Ana)
Sinh’Ana: Já estão brigando de novo? Mas vocês só têm tamanho mesmo. Está aqui o seu gelo. (entrega para João Nunes).
( Entram Pernambi e Marisol)
Pernambi: Oi, vó!
Sinh’Ana: Tudo bem, meus netinhos?
Marisol: Tudo ótimo, vó! Oi, bisa! (Avó acena) O quê que está acontecendo aqui? Que caras são essas? Parece que ouve um enterro aqui.
Pernambi: Deixa-me adivinhar, brigaram de novo?
Sinh’Ana: De novo ( cruza os braços)
Maria Porunga: É o básico do dia, né minha filha. Agora já estão até um pouco calmos.
Marisol: O senhor não toma jeito mesmo, em papai?
Pedro Porunga: Ah, minha filha... Não se preocupe com isto. É coisa entre eu e meu irmão.
João Nunes: Eu e meu irmão? (imitando) Só você é que fica caçando encrenca.
Pernambi: Papai.
João Nunes: O que foi agora?
Pedro Porunga: Deixa Pernambi.
Regina Nunes: Melhor deixar seu pai pra lá. Hoje ele está daquele jeito.
João Nunes: Que jeito que você está falando?!
Regina Nunes: Aí, não disse?
Sinh’Ana: Gente, vamos acalmar os nervos. Esqueçam deste assunto. (entra Pingo d’Água e Franscisquinho) Oi Pingo d’Água, até que enfim você chegou.
Pingo d’Água: Ah mãe, é que eu passei na casa do Franscisquinho e aí vai que vai, acabei o chamando pra vir comigo.
Sinh’Ana: Oi, Franscisquinho. Tudo bem?
Franscisquinho: Tudo ótimo, dona Sinh’Ana. E a senhora? Está tudo bem?
Sinh’Ana: Vou levando.
Frascisquinho: E cadê o senhor José Alvorada?
Sinh’Ana: Está por aí. Deve ter ido à casa do Teixeirinha Maneta. Sempre que ele fica nervoso vai à casa do compadre.
Franscisquinho: E está nervoso?
Sinh’Ana: Como todos os dias.
Pingo d’Água: O pai sempre foi assim... Marisol, por que vocês não nos esperaram?
Marisol: Ué, tia. Nem sabia que a senhora estava atrás da gente.
Pingo d’Água: Não me escutou gritando?
Marisol: Não.
Pingo d’Água: Nossa, a minha garganta está doendo até agora.
Sinh’Ana: Mas também, só sabe gritar. Isto você puxou pro seu pai. ( entra José Alvorada e Teixeirinha) Falando no diabo...
José Alvorada: Já vai começar de novo, mulher? Ó, eu trouxe o compadre pra almoçar com a gente, ou melhor, jantar.
Sinh’Ana: Boa tarde, compadre Teixeirinha.
Teixeirinha: Boa tarde, Sinh’Ana.
Sinh’Ana: Não se acanhe, compadre. Pode ficar à vontade.
Teixeirinha: (cumprimenta todos) Com sua licença (senta).
José Alvorada: Vejo que está todo mundo aqui. Pingo, você já chegou? Que ótimo! E o namorado também veio... Infelizmente.
Sinh’Ana: José Alvorada!
José Alvorada: O quê?
Sinh’Ana: Oh, você só me constrange. (sai)
José Alvorada: E aí, rapaz, quando é que vão se casar?
Pingo d’Água: (sorri) Pai!
José Alvorada: Que pai o quê! Você já tem quase trinta anos e ainda não se casou. Daí aparece esse Mané aproveitador, que fica aí de lero-lero sem nada pra prometer.
Franscisquinho: O senhor está certo.
Pingo d’Água: Você não precisa concordar com meu pai.
Franscisquinho: Não, ele está certo. E é por isso que eu trouxe isto (pega uma caixinha de jóias e ajoelha) Quer viver o resto de sua vida comigo?
Pingo d’Água: Ai meu Deus! É-é-é-é... (se abana)
José Alvorada: Virou machinho, é?
Pingo d’Água: Pai! Eu...
José Alvorada: Diz sim, ou vamos almoçar primeiro. (Entra Sinh’Ana)
Sinh’Ana: O que está acontecendo agora?
Maria Porunga: O Franscisquinho está pedindo a Pingo em casamento.
Sinh’Ana: Jura? Parabéns filha!
Maria Porunga: Ela ainda não aceitou.
Pingo d’Água: Eu, eu aceito. (Franscisquinho levanta-se e a beija).
(Palmas)
Sinh’Ana: Até que em fim, em? Parabéns, minha filha.
José Alvorada: Aperte minha mão, rapaz. Bem vindo à família.
(Todos parabenizam Pingo d’Água e Franscisquinho)Agora podemos almoçar?
Sinh’Ana: Bem, os meninos já disseram que comeram alguma coisa.
José Alvorada: Então eu com sozinho.
Sinh’Ana: É, mas falta lenha pro fogão.
José Alvorada: Que merda! Era só o que faltava! Eu vou lá buscar essa porcaria. E essa cambada de homem vão comigo! Anda bestaiada, vamos embora!
(Sai todos os homens)
Regina Nunes: (Para Pingo d’Água) É, cunhada, agora você tem seu macho; Vai fazer comida pra ele, aguentar os berros do futebol, a bebedeira e ainda uns caprichos a mais.
Maria Porunga: Mas vê o lado bom: é ele quem paga as suas contas.
Sandra: E sem falar naquilo, né tia?
Maria Porunga: Ei menina, que falta de respeito é esse?
Sandra: Só estou falando a verdade.
Maria Porunga: A verdade é uma boa surra, isso sim.
Sandra: Nossa mãe...
Pingo d’Água: Eu estou tão feliz... Estou flutuando nas nuvens...
Regina Nunes: Cuidado pra não cair (risadas).
Marisol: Ai, ai. Tia, a senhora tem sorte. Também quero me casar, assim, com o príncipe dos meus sonhos.
Sandra: Príncipe dos seus sonhos? Você não tem nem namorado, vai acabar virando freira.
Marisol: Cale a boca, Sandra.
Maria Porunga: Marisol, não precisa falar deste jeito com sua irmã! Ela só está brincando!
Marisol: Não gosto deste tipo de brincadeira. (para Sandra) E pra sua informação, está assim de garotos querendo ficar comigo.
Sinh’Ana: Ah, mas vejam só. Mal saiu das fraldas e já está querendo ser mulher (risadas).
Regina Nunes: Que graça... Quero ver quando ela tiver responsabilidades.
Maria Porunga: Aí ela vai ver o que é a vida. (Suspira) Mas é assim mesmo a vida: é difícil.
Sandra: Mas não é por isso que a gente tem que desistir, né mãe.
Sinh’Ana: É, Maria, a Sandra tem toda razão. Nós devemos lutar para obter alguma coisa. A dificuldade não é impossível de ser superada. E eu entendo disso. Vê como o José me trata. Mesmo assim eu gosto dele. A gente briga, briga, mas lutamos pra ficarmos juntos.
Maria Porunga: O Pedro também me deixe muito feliz. Vive brigando com o irmão, mas mesmo assim me trata bem.
Regina Nunes: É, o meu marido é assim também. Parece que gostam de brigar um com o outro. Sempre foi assim, Sinh’Ana?
Sinh’Ana: Sempre; desde que eram uns meninotes. Sei não... Eles são muito rivais em tudo. Eu lembro que disputavam até quem amarrava o cadarço mais rápido. (risadas)
Sandra: Ainda bem que nós somos bem unidas. Imagine se todo mundo brigasse.
Marisol: Mas nós duas sempre brigamos, e frequentemente.
Maria Porunga: É falta de um puxão de orelha! Essas aqui também gostam de se rivalizar em tudo.
Sandra: É que essa menina é muito ciumenta. Tem inveja de mim.
Marisol: Eu é que tenho inveja de você? Cria tipo garota!
Sinh’Ana: Acabou minhas netas. Chega! (Entram os homens. Franscisquinho está com um pouco de sangue na perna e mancando.) O que aconteceu?
José Alvorada: Esse meu futuro genro é muito mole. Consegui engarranchar um galho nessa perna de saracura e caiu no chão.
Pingo d’Água: Você se machucou?
Franscisquinho: Bem, não está doendo.
José Alvorada: Mas é lógico que não está doendo, foi só um cortezinho de nada.
Pernambi: Até que foi engraçado. A gente estava voltando com a lenha e de repente “durum”, já estava ele no chão.
Argentino: Yo também ri mucho.
Pedro Porunga: Mas até que nem foi tão grande coisa assim.
João Nunes: É que não foi com você.
Pedro Porunga: Ô, mas dá pra parar de encher o saco?
João Nunes: Ah, foi você quem começou a falar do menino.
José Alvorada: Dá pra vocês ficarem quietinhos. Sinh’Ana, a lenha já está lá. Vai fazer comida, anda!
Sinh’Ana: Já vou,Já vou! (Sai)
Teixeirinha Maneta: E eu já me vou indo.
José Alvorada: Não compadre. Vamos sentar e prosear um pouco mais.
Teixeirinha Maneta: É que eu tenho que chegar.
João Alvorada: Senta ai e vamos beber um pouco de café (senta e depois Teixeirinha também senta) (Para Marisol) Ô menina, vai buscar café pra gente.
Marisol: Está bem vovô, vou lá buscar. (Sai)
Sandra Porunga: Espera ai! (Sai)
Pingo d’Água: Pai.
José Alvorada: O que foi filha?
Pingo d’Água: Agora que vou me casar, o senhor poderia me dar um pedaço de terra pra começar a vida?
José Alvorada: Lógico, minha filha. Você é o que tenho de mais precioso!
João Nunes: Mas e nós, pai?
José Alvorada: Vocês? Só me dão desgosto! Casaram-se cm mulheres que eu não aprovei, suas terras não rendem nada! Não sei como ainda estão vivos.
Pedro Porunga: Não pai, minhas terras estão prosperando!
José Alvorada: Prosperando bosta nenhuma. Fica plantando batata naquele brejão e só! Não tem nenhum pé de café pra falar que tem.
João Nunes: Eu estou plantando milho!
José Alvorada: Sei. Aquelas espigas que só servem pra tratar de porcos? (Ri) (Entra Marisol e Sandra com o café)
Marisol: Aqui está o café, vovô. (serve João e Teixeirinha)
Maria Porunga: Ah, eu também quero, mas pode deixar que eu vou lá beber.
Regina Nunes: Eu também vou lá (Saem Maria e Regina)
Pingo d’Água: Sandra, eu me esqueci de te avisar que a Amanda quer falar com você sobre o serviço na venda, ou algo do tipo.
Sandra Porunga: Obrigada, ti. Eu tinha ido lá vê se eles me arranjavam algum emprego, então deve ser isso!
José Alvorada: Pedro, você vai deixar sua filha trabalhar?
Pedro Porunga: Ah pai, ela quer trabalhar e está difícil mesmo. Ai ela ajuda em casa e ainda tem um dinheirinho.
José Alvorada: Que vergonha hein? Não consegue nem sustentar a própria filha!
João Nunes: E é por isso que seu sítio é uma bosta!
Pedro Porunga: Você não se intrometa está bem?
João Nunes: Você está querendo mandar em mim, Porunga?
José Alvorada: Dá pra vocês pararem de discutir, agora?
Pedro Porunga: Eu só vou quebrar a cara desse infeliz.
João Nunes: Vem (Pega a faca no bolso) Vem agora!
José Alvorada: Larga desta faca moleque! Está doido?
João Nunes: Eu vou te matar Porunga! (Marisol, Sandra e Pingo d’Água gritam)
Pedro Porunga: Pode vir, eu não tenho medo de você! (Entram Sinh’Ana, Maria Porunga e Regina Nunes correndo)
Sinha’Ana: O que está acontecendo?
Pedro Porunga: Esse porcaria do seu filho quer me matar!
João Nunes: Porcaria?
Pedro Nunes: Porcaria sim! E solte essa faca antes que eu te tome-a e faça você a engolir!(João Nunes solta à faca) Hum, é um porcaria mesmo! (Vira as costas, e rapidamente, João pega a faca e vai pra cima de Pedro)
Regina Nunes: Não João!
Pernambi: (Intercede) Não pai! (É esfaqueado) Pai... (Morre) (Silêncio Trágico)
Regina Nunes: (Esbofeta o rosto de João Nunes) Você é louco?! Você matou nosso filho! (Ajoelha-se na frente de Pernambi) Filho! (Abraça o corpo de Pernambi e chora) Meu filho!
João Nunes: (Deixa a faca cair) Eu... Filho. Não. Morreu? (Aproxima-se de Pernambi)
Regina Nunes: Afaste-se daqui! Vá embora! Eu nunca mais quero te ver!
João Nunes: Eu... Eu... Não... (Sai) (Silêncio, apenas se ouve o choro de Regina Nunes)
Avó: (Levanta-se, se aproxima de Pernambi e afasta Regina dele. Depois joga uma colcha de retalhos por cima do bisneto) Por fim, uma desgraça aconteceu. Hoje eu iria dizer a vocês que estava muito feliz de ter todos como membros de minha família. Mas (Olha para Pernambi e depois se volta para a platéia) as coisas não são como queremos (Ri). Nos momentos distorcidos e impulsivos da vida, vislumbramos o véu negro da morte. O frio que se perfaz em nossas faces é só um resíduo enfadonho de sermos humanos. Quero dizer que isto é o fim, nada mais a declarar. (Abaixa a cabeça e sai. Silêncio).


Agradeço a dois grandes amigos:

Guilherme Cecílio, por saber que altruísmo não é só uma palavra.

César Augusto, por saber que todos temos egoísmo, mas que devemos controla-los

E a todos que fizeram este teatro ter vida.


Baseado em dois contos de Monteiro Lobato: A vingança da péroba; A colcha de retalhos. Ambos do livro Urupês

Os caminhantes

Longe se via duas sombras difusas que se movimentavam devagar, sem rumo certo. A luz da lua fazendo tudo virar prata; se vê que são dois homens, um com as mãos nos bolsos, o outro lhe falta um braço. O que conversam são assuntos de guerras remotas, de corações estourados, cérebros espatifados. Alegram-se quando relembram a tortura que promoveram naquele jovem rapaz. São coisas do cotidiano que não tem tanta importância.
Alguns passos adiante, sentado em uma pedra com a cabeça abaixada, estava um homem. Olhou para eles lentamente com os olhos lacrimejados e vermelhos. Chamou-os. Como se não pudessem seguir suas próprias vontades, foram até ele. Aquele ermo sombrio das trevas e três homens se contemplando. Parecia que qualquer movimento, qualquer suspiro faria uma bomba estourar. Então, uma voz meio rouca, fria e calma, começou a sair daquele ser de olhos vermelhos: “Sentem-se, vamos... Não tenham medo de mim, não vou lhes fazer mal. Apenas quero me reconciliar com esta porcaria de mundo, com esta vida repugnante... Vida, a minha não foi das melhores, hoje a considero uma desgraça alucinante, algo tão paupérrimo que nem merece existir. Lembro quando realmente tinha uma casa, quando tinha uma família... Damos valor no que perdemos... Mas estava com medo da morte; tinha um câncer terminal que me mataria em dois meses... A loucura me dominou. Fugi. Procurei medicamentos, curas improváveis... e quando estava desesperado e totalmente exausto, aquilo veio a mim. Não disse nenhuma palavra, apenas sorriu sanguinariamente mostrando aqueles enormes caninos e se voltou para meu pescoço. Senti como se meu sangue estivesse secando e depois disso cai no chão e desmaiei, creio eu. A partir daquele dia, a sede me dominou; já não saía ao sol; abominava-o. Vivia nas sombras e na escuridão da noite, correndo atrás de vítimas que nunca mais sairiam da terra. Aquele gosto de sangue em minha boca, aquilo era um prazer imensurável. E com o passar dos tempos, notei que não envelhecia e com isso me considerei um deus. Cerca de oitenta anos mais tarde, senti falta de algo: minha família. Resolvi visitá-la, mas foi um choque para mim. A casa estava bem velha e com rachaduras. Espiei pela janela e vi um velho sentado em uma cadeira. Bati na porta e devagarzinho ela se abriu. O velho perguntou o que eu queria; respondi que procurava uma tal mulher. Ele olhou para mim e disse que ela havia morrido a uns trinta anos. Tremi... perguntei quem ele era. Respondeu. Era meu filho. Minhas pálpebras se fecharam e chorei. Aquilo era cruel. Fui embora. Para esconder minha dor, me refugiei na luxuria e na malandragem. Mesmo assim, há coisas que não tem como se apagar. A dor é terrível e persistente, e quando se tenta lançá-la aos cães, ela nos devora e deixa apenas os o pó. O que pude fazer, sozinho e sofrendo alucinações? O que me restou foi beber uma infusão de alho, veneno para os de minha espécie. Depois disso, sentei-me nesta pedra e estou esperando minha morte. Morte não. Não tenho nem alma, é só podridão de víceras e ossos”



Dedicado à:

Márcio, professor de Educação Física

Margareth, professora de Português